*Ângela da Silva Soares
RESUMO: Este trabalho tem como objetivo apresentar um estudo sobre concepção
de infância e Educação Infantil, demonstrando a evolução histórica do
sentimento de infância e sua repercussão no atendimento às crianças pequenas.
As transformações ocorridas no campo da Educação Infantil estão estritamente
ligadas à visão que se tem da criança. De um quase anonimato, a criança passa a
ser percebida de uma forma romântica e evolui para um sujeito
histórico-cultural, com status de cidadão. Diante desse panorama, a Educação
Infantil teve que acompanhar as novas especificidades no tratamento destinado
às crianças, originando um novo perfil de educador, que tem que se apropriar
dos pressupostos pedagógicos necessários para o desenvolvimento de uma prática
docente de qualidade.
Palavras-chave: concepção de infância, adulto em miniatura, Educação
Infantil, sujeito histórico-cultural.
1.INTRODUÇÃO
A Educação infantil sofreu grandes transformações nos últimos tempos. O
processo de aquisição de uma nova identidade para as instituições que trabalham
com crianças foi longo e difícil. Durante esse processo surge uma nova
concepção de criança, totalmente diferente da visão tradicional. Se por séculos
a criança era vista como um ser sem importância, quase invisível, hoje ela é
considerada em todas as suas especificidades, com identidade pessoal e
histórica.
Essas mudanças originaram-se de novas exigências sociais e econômicas,
conferindo à criança um papel de investimento futuro, esta passou a ser
valorizada, portanto o seu atendimento teve que acompanhar os rumos da
história. Sendo assim, a Educação Infantil de uma perspectiva assistencialista
transforma-se em uma proposta pedagógica aliada ao cuidar, procurando atender a
criança de forma integral, onde suas especificidades (psicológica, emocional,
cognitiva, física, etc...) devem ser respeitadas. Nessa perspectiva este artigo
propõe uma discussão sobre a evolução histórica da concepção de infância e sua
repercussão no atendimento destinado ás crianças em instituições de Educação
Infantil.
2. CONCEPÇÃO DE INFÂNCIA
A concepção de infância dos dias atuais é bem diferente de alguns
séculos atrás. É importante salientar que a visão que se tem da criança é algo
historicamente construído, por isso é que se pode perceber os grandes
contrastes em relação ao sentimento de infância no decorrer dos tempos. O que
hoje pode parecer uma aberração, como a indiferença destinada à criança
pequena, há séculos atrás era algo absolutamente normal. Por maior estranheza
que se cause, a humanidade nem sempre viu a criança como um ser em particular,
e por muito tempo a tratou como um adulto em miniatura.
De um ser sem importância, quase imperceptível, a criança num processo
secular ocupa um maior destaque na sociedade, e a humanidade lhe lança um novo
olhar. Para entender melhor essa questão é preciso fazer um levantamento
histórico sobre o sentimento de infância, procurar defini-lo, registrar o seu
surgimento e a sua evolução. Segundo Áries:
o sentimento de infância não significa o mesmo que afeição pelas
crianças, corresponde à consciência da particularidade infantil, essa
particularidade que distingue essencialmente a criança do adulto, mesmo jovem (
Áries, 1978 : 99).
Nessa perspectiva o sentimento de infância é algo que caracteriza a
criança, a sua essência enquanto ser, o seu modo de agir e pensar, que se
diferencia da do adulto, e, portanto merece um olhar mais específico.
Na Idade Média não havia clareza em relação ao período que caracterizava
a infância, muitos se baseavam pela questão física e determinava a infância
como o período que vai do nascimento dos dentes até os sete anos de idade, como
mostra a citação da descrição feita por Le Grand Propriétaire (Ariès, 1978 : 6
) :
A primeira idade é a infância que planta os dentes, e essa idade começa
quando a criança nasce e dura até os sete anos, e nessa idade aquilo que nasce
é chamado de enfant (criança), que quer dizer não-falante, pois nessa idade a
pessoa não pode falar bem nem tomar perfeitamente as palavras, pois ainda não
tem seus dentes bem ordenados nem firmes...
Até o século XVII a sociedade não dava muita atenção às crianças. Devido
às más condições sanitárias, a mortalidade infantil alcançava níveis
alarmantes, por isso a criança era vista como um ser ao qual não se podia
apegar, pois a qualquer momento ela poderia deixar de existir. Muitas não
conseguiam ultrapassar a primeira infância. O índice de natalidade também era
alto, o que ocasionava uma espécie de substituição das crianças mortas. A perda
era vista como algo natural e que não merecia ser lamentada por muito tempo,
como pode ser constatado no comentário de Áries " ...as pessoas não podiam
se apegar muito a algo que era considerado uma perda eventual..." (1978 :
22 ).
Na Idade Média a criança era vista como um ser em miniatura, assim que
pudesse realizar algumas tarefas, esta era inserida no mundo adulto, sem
nenhuma preocupação em relação à sua formação enquanto um ser específico, sendo
exposta a todo tipo de experiência.
Segundo Áries, até o século XVII, a socialização da criança e a
transmissão de valores e de conhecimentos não eram asseguradas pelas famílias.
A criança era afastada cedo de seus pais e passava a conviver com outros
adultos, ajudando-os em suas tarefas. A partir daí, não se distinguia mais
desses. Nesse contato, a criança passava dessa fase direto para a vida adulta.
( Áries, 1978 ).
A duração da infância não era bem definida e o termo
"infância" era empregado indiscriminadamente, sendo utilizado,
inclusive, para se referir a jovens com dezoito anos ou mais de idade ( Áries,
1989 ). Dessa forma, a infância tinha uma longa duração, e a criança acabava por
assumir funções de responsabilidade, queimando etapas do seu desenvolvimento.
Até a sua vestimenta era a cópia fiel da de um adulto. Essa situação começa a
mudar, caracterizando um marco importante no despertar do sentimento de
infância:
No século XVII, entretanto, a criança, ou ao menos a criança de boa
família, quer fosse nobre ou burguesa, não era mais vestida como os adultos.
Ela agora tinha um traje reservado à sua idade, que a distinguia dos adultos.
Esse fato essencial aparece logo ao primeiro olhar lançado às numerosas
representações de criança do início do século XVII ( Áriès, 1978: 33 ).
As grandes transformações sociais ocorridas no século XVII contribuíram
decisivamente para a construção de um sentimento de infância. As mais
importantes foram as reformas religiosas católicas e protestantes, que
trouxeram um novo olhar sobre a criança e sua aprendizagem. Outro aspecto
importante é a afetividade, que ganhou mais importância no seio na família.
Essa afetividade era demonstrada, principalmente, por meio da
valorização que a educação passou a ter. A aprendizagem das crianças, que antes
se dava na convivência das crianças com os adultos em suas tarefas cotidianas,
passou a dar-se na escola. O trabalho com fins educativos foi substituído pela
escola, que passou a ser responsável pelo processo deformação. As crianças
foram então separadas dos adultos e mantidas em escolas até estarem
"prontas" para a vida em sociedade. ( Ariès, 1978 ).
Surge uma preocupação com a formação moral da criança e a igreja se encarrega
em direcionar a aprendizagem, visando corrigir os desvios da criança,
acreditava-se que ela era fruto do pecado, e deveria ser guiada para o caminho
do bem. Entre os moralistas e os educadores do século XVII, formou-se o
sentimento de infância que viria inspirar toda a educação do século XX (Áries,
1989). Daí vem a explicação dos tipos de atendimento destinados às crianças, de
caráter repressor e compensatório.
De um lado a criança é vista como um ser inocente que precisa de
cuidados, do outro como um ser fruto do pecado. Segundo kramer :
Nesse momento, o sentimento de infância corresponde a duas atitudes
contraditórias: uma considera a criança ingênua, inocente e graciosa e é
traduzida pela paparicação dos adultos, e a outra surge simultaneamente à
primeira, mas se contrapõe à ela, tornando a criança um ser imperfeito e
incompleto, que necessita da "moralização" e da educação feita pelo
adulto ( kramer, 2003:18 ).
Esses dois sentimentos são originados por uma nova postura da família em
relação à criança, que passa a assumir mais efetivamente a sua função, a
família começa a perceber a criança como um investimento futuro, que precisa
ser preservado, e, portanto deve ser afastada de maus físicos e morais. Para
Kramer ( 2003 : 18 ) "não é a família que é nova, mas, sim o sentimento de
família que surge nos séculos XVI e XVII, inseparável do sentimento de
infância."
A vida familiar ganha um caráter mais privado, e aos poucos a família
assume o papel que antes era destinado à comunidade. É importante salientar que
esse sentimento de infância e de família representa um padrão burguês, que se
transformou em universal. Segundo Kramer :
...a ideia de infância (... ) aparece com a sociedade capitalista,
urbano-industrial, na medida em que mudam a sua inserção e o papel social da
criança na comunidade. se, na sociedade feudal, a criança exercia um papel
produtivo direto ("de adulto") assim que ultrapassava o período de
alta mortalidade, na sociedade burguesa ela passa a ser alguém que precisa de
ser cuidada, escolarizada e preparada para uma função futura. Este conceito de infância
é, pois, determinado historicamente pela modificação das formas de organização
da sociedade( 2003 : 19 ).
No século XVIII, além da educação a família passou a se interessar pelas
questões relacionadas à higiene e à saúde da criança, o que levou a uma
considerável diminuição dos índices de mortalidade.
As mudanças beneficiaram as crianças da burguesia, pois as crianças do
povo continuaram a não ter acesso aos ganhos representados pela nova concepção
de infância, como o direito à educação e a cuidados mais específicos, sendo
direcionadas para o trabalho.
A criança sai do anonimato e lentamente ocupa um espaço de maior
destaque na sociedade. Essa evolução traz modificações profundas em relação à educação,
esta teve que procurar atender as novas demandas que foram desencadeadas pela
valorização da criança, pois a aprendizagem além da questão religiosa passou a
ser um dos pilares no atendimento à criança. Segundo Loureiro :
...nesse período começa a existir uma preocupação em conhecer a
mentalidade das crianças a fim de adaptar os métodos de educação a elas,
facilitando o processo de aprendizagem. Surge uma ênfase na imagem da criança
como um anjo, "testemunho da inocência batismal" e, por isso, próximo
de Cristo ( 2005 : 36 ).
Percebe-se o caráter cristão ao qual a educação das crianças foi ancorada.
Com o surgimento do interesse nas crianças, começou a preocupação em ajudá-las
a adquirir o princípio da razão e a fazer delas adultos cristãos e racionais.
Esse paradigma norteou a educação do século XIX e XX.
Hoje, a criança é vista como um sujeito de direitos, situado
historicamente e que precisa ter as suas necessidades físicas, cognitivas,
psicológicas, emocionais e sociais supridas, caracterizando um atendimento
integral e integrado da criança. Ela deve ter todas as suas dimensões
respeitadas. Segundo Zabalza ao citar Fraboni:
a etapa histórica que estamos vivendo, fortemente marcada pela
"transformação" tecnológico-científica e pela mudança ético-social,
cumpre todos os requisitos para tornar efetiva a conquista do salto na educação
da criança, legitimando-a finalmente como figura social, como sujeito de
direitos enquanto sujeito social" (1998:68).
Assim, a concepção da criança como um ser particular, com
características bem diferentes das dos adultos, e contemporaneamente como
portador de direitos enquanto cidadão, é que vai gerar as maiores mudanças na
Educação Infantil, tornando o atendimento às crianças de 0 a 6 anos ainda mais
específico, exigindo do educador uma postura consciente de como deve ser
realizado o trabalho com as crianças pequenas, quais as suas necessidades
enquanto criança e enquanto cidadão.
3.O HISTÓRICO DA EDUCAÇÃO INFANTIL NO MUNDO
Durante muito tempo, o cuidado e a educação das crianças pequenas eram
vistas como tarefas da família, principalmente das mães e de outras mulheres.
Depois do desmame, a criança era percebida como um pequeno adulto, quando já
alcançava certo grau de independência, passava a ajudar os adultos nas
atividades cotidianas e a aprender o básico para sua inserção social. Não se
considerava a identidade pessoal da criança.
Devido ao caráter familiar do atendimento à criança pequena, as
primeiras denominações das instituições infantis fazem uma referência a esse
aspecto, como o termo francês "creche" que significa manjedoura,
presépio. E o termo italiano "asilo nido" que significa um ninho que
abriga.
Nas sociedades primitivas, as crianças que se encontravam em situações
desfavoráveis, como o abandono, eram cuidadas por uma rede de parentesco, ou
seja, dentro da própria família. Na Idade Antiga, os cuidados eram oferecidos
por mães mercenárias, que não tinham nenhum tipo de preocupação com as
crianças, sendo que muitas morriam sob os seus cuidados. Na Idade Média e
Moderna, existiam as "rodas" ( cilindros ocos de madeira, giratórios
), construídos em muros de igrejas ou hospitais de caridade, onde as crianças
deixadas eram recolhidas. Dentro dessa perspectiva, fica evidenciado nas
palavras de Oliveira que:
as ideias de abandono, pobreza, culpa e caridade impregnam assim, as
formas precárias de atendimento a menores nesse período e vão permear
determinadas concepções a cerca do que é uma instituição que cuida da Educação
Infantil, acentuando o lado negativo do atendimento fora da família (OLIVEIRA,
2002 : 59 ).
Diante dessa situação, ficam claras as raízes da desvalorização do
profissional de Educação Infantil, que precisa mudar esse estereótipo, de que
para se trabalhar com crianças não é necessário qualificação profissional, pois
grande parte dos profissionais que atuam nessa área é de leigos, o que
demonstra que, mesmo com tanto avanço no que diz respeito ao conceito de
criança, ainda persiste um tipo de atendimento que só visa os cuidados físicos,
deixando de lado os aspectos globais no atendimento das crianças.
Na Europa com a Revolução Industrial, a sociedade agrário-mercantil
transforma-se em urbano-manufatureira, num cenário de conflitos, onde as
crianças eram vítimas de pobreza, abandono e maus-tratos, com grande índice de
mortalidade. Aos poucos o atendimento às crianças torna-se mais formal, como
resposta a essa situação, foram surgindo instituições para o atendimento de
crianças desfavorecidas ou crianças cujos pais trabalhavam nas fábricas
(OLIVEIRA, 2002 ).
Nos séculos XVIII E XIX é originado dois tipos de atendimento às
crianças pequenas, um de boa qualidade destinado às crianças da elite, que
tinha como característica a educação, e outro que servia de custódia e de
disciplina para as crianças das classes desfavorecidas.
Dentro desse cenário aumenta-se a discussão de como se deve educar as
crianças. Pensadores como Comênio, Rousseau, Pestalozzi, Decroly, Froebel e
Montessori configuram as novas bases para a educação das crianças. Embora eles
tivessem focos diferentes, todos reconheciam que as crianças possuíam
características diferentes dos adultos, com necessidades próprias (OLIVEIRA,
2002).
No século XX, após a primeira Guerra Mundial, cresce a ideia de respeito
à criança, que culmina no Movimento das Escolas Novas, fortalecendo preceitos
importantes, como a necessidade de proporcionar uma escola que respeitasse a
criança como um ser específico, portanto, esta deveria direcionar o seu
trabalho de forma a corresponder as características do pensamento infantil.
Na psicologia, na década de 20 e 30, Vygotsky defende a idéia de que a
criança é introduzida no mundo da cultura por parceiros mais experientes.
Wallon destaca a afetividade como fator determinante para o processo de
aprendizagem. Surgem as pesquisas de Piaget, que revolucionam a visão de como
as crianças aprendem, a teoria dos estágios de desenvolvimento. As teorias
pedagógicas se apropriam gradativamente das concepções psicológicas,
especialmente na Educação Infantil, impulsionando o seu crescimento.
No contexto de pós-segunda Guerra mundial, surge a preocupação com a
situação social da infância e a ideia da criança como portadora de direitos. A
ONU promulga em 1959, a Declaração dos Direitos da Criança, em decorrência da
Declaração dos Direitos Humanos, esse é um fator importante para a concepção de
infância que permeia a contemporaneidade, a criança como sujeito de direitos.
4. O HISTÓRICO DA EDUCAÇÃO INFANTIL NO BRASIL
A história da Educação Infantil no Brasil, de certa forma, acompanha os
parâmetros mundiais, com suas características próprias, acentuada por forte
assistencialismo e improviso. As crianças da área urbana eram colocadas nas
"rodas expostas" para serem recolhidas pelas instituições religiosas,
muitas dessas crianças eram de mães que pertenciam às famílias tradicionais.
No início do século XIX, para tentar resolver o problema da infância,
surgem iniciativas isoladas, como a criação de creches, asilos e internatos,
que eram vistos como instituições destinadas a cuidar de crianças pobres. Estas
instituições apenas encobriam o problema e não tinham a capacidade de buscar
transformações mais profundas na realidade social dessas crianças.
No final do século XIX, com o ideário liberal, inicia-se um projeto de
construção de uma nação moderna. A elite do país assimila os preceitos
educacionais do Movimento das Escolas Novas, elaboradas nos centros de
transformações sociais ocorridas na Europa e trazidas ao Brasil pela influência
americana e europeia. Surge no Brasil a ideia de "jardim-de-infância"
que foi recebida com muito entusiasmo por alguns setores sociais, mas gerou
muito discussão, pois a elite não queria que o poder público não se
responsabilizasse pelo atendimento às crianças carentes. Com toda polêmica, em
1875 no Rio de Janeiro e em 1877 em São Paulo, eram criados os primeiros
jardins-de-infância, de caráter privado, direcionados para crianças da classe
alta, e desenvolviam uma programação pedagógica inspirada em Froebel (OLIVEIRA,
2002).
Na metade do século XX, com a crescente industrialização e urbanização
do país, a mulher começa a ter uma maior inserção no mercado de trabalho, o que
provoca um aumento pelas instituições que tomam conta de crianças pequenas.
Começa a se delinear um atendimento com forte caráter assistencialista.
Nos anos 70, o Brasil absorve as teorias desenvolvidas nos Estados
Unidos e na Europa, que sustentavam que as crianças das camadas sociais mais
pobres sofriam de "privação cultural" e eram colocadas para explicar
o fracasso escolar delas, esta concepção vai direcionar por muito tempo a
Educação Infantil, enraizando uma visão assistencialista e compensatória, como
afirma Oliveira:
conceitos como carência e marginalização cultural e educação
compensatória foram então adotados, sem que houvesse uma reflexão crítica mais
profunda sobre as raízes estruturais dos problemas sociais. Isso passou a
influir também nas decisões de políticas de Educação Infantil (OLIVEIRA,
2002:109).
Dessa forma, pode-se observar a origem do atendimento fragmentado que
ainda faz parte da Educação Infantil destinada às crianças carentes, uma
educação voltada para suprir supostas "carências", é uma educação que
leva em consideração a criança pobre como um ser capaz, como alguém que não responderá
aos estímulos dados pela escola.
Nos anos 80, com o processo de abertura política, houve pressão por
parte das camadas populares para a ampliação do acesso à escola. A educação da
criança pequena passa a ser reivindicada como um dever do Estado, que até então
não havia se comprometido legalmente com essa função. Em 1888, devido à grande
pressão dos movimentos feministas e dos movimentos sociais, a Constituição
reconhece a educação em creches e pré-escolas como um direito da criança e um
dever do Estado.
Nos anos 90, ocorreu uma ampliação sobre a concepção de criança. Agora
procura-se entender a criança como um ser sócio histórico, onde a aprendizagem
se dá pelas interações entre a criança e seu entorno social. Essa perspectiva sócio
interacionista tem como principal teórico Vigotsky, que enfatiza a criança como
sujeito social, que faz parte de uma cultura concreta (OLIVEIRA,2002).
Há um fortalecimento da nova concepção de infância, garantindo em lei os
direitos da criança enquanto cidadã. Cria-se o ECA (Estatuto da Criança e do
Adolescente); a nova LDB, Lei nº9394/96, incorpora a Educação Infantil como
primeiro nível da Educação Básica, e formaliza a municipalização dessa etapa de
ensino.
Em 1998, é criado RCNEI (Referencial Curricular Nacional para Educação
Infantil), um documento que procura nortear o trabalho realizado com crianças
de 0 à 6 anos de idade. Ele representa um avanço na busca de se estruturar
melhor o papel da Educação Infantil, trazendo uma proposta que integra o cuidar
e o educar, o que é hoje um dos maiores desafios da Educação Infantil. É
preciso afirmar que as propostas trazidas pelo RCN só podem se concretizar na
medida em que todos os envolvidos no processo busquem a efetiva implantação das
novas propostas, se não ele vai se tornar apenas um conjunto de normas que não
saem do papel.
5. Considerações Finais
Através desse estudo histórico, pode-se constatar que o conceito de
infância repercute fortemente no papel da Educação Infantil, pois direciona
todo o atendimento prestado à criança pequena. Dessa maneira, a Educação
Infantil está intrinsicamente ligada ao conceito de infância, tendo a sua
evolução marcada pelas transformações sociais que originaram um novo olhar
sobre a criança.
A educação voltada para criança pequena só ganhou notoriedade quando
esta passou a ser valorizada pela sociedade, se não houvesse uma mudança de
postura em relação à visão que se tinha de criança, a Educação Infantil não
teria mudado a sua forma de conduzir o trabalho docente, e não teria surgido um
novo perfil de educador para essa etapa de ensino. Não seria cobrado dele
especificidade no seu campo de atuação, e a criança permaneceria com um
atendimento voltado apenas para questões físicas, tendo suas outras dimensões,
como a cognitiva, a emocional e a social despercebidas.
Não se pode perder de vista, que o conceito de infância construído pela
humanidade ocasionou uma padronização da criança, como se esta fosse um ser
universal, sem características próprias de cada sociedade e de cada contexto
histórico.
Por isso, a Educação infantil terminou sendo um bem da criança burguesa,
e uma proposta distante das crianças pobres. Apesar da Educação Infantil no
Brasil ter sido institucionalizada como direito das crianças, poucas têm acesso
a um atendimento de qualidade, com professores que desconhecem os pressupostos
pedagógicos que devem direcionar o trabalho com crianças pequenas,
descaracterizando a especificidade da Educação Infantil.
REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA:
ARIES, Philippe. História Social da Criança e da Família.
Rio de Janeiro. LTC,1978.
FRABBONI, Franco. A Escola Infantil entre a cultura da Infância
e a ciência pedagógica e didática. In: ZABALZA, Miguel A. Qualidade em
Educação Infantil. Porto Alegre. Artmed, 1998.
KRAMER, Sônia. A Política do pré-escolar no Brasil: A arte
do disfarce. 7ª edição. São Paulo: Cortez, 2003.
LOUREIRO, Stefânie Arca Garrido. Alfabetização: uma
perspectiva humanista
e progressista. Belo Horizonte. Autêntica, 2005.
OLIVEIRA, Zilma Rams de Oliveira. Educação Infantil: fundamentos
e métodos. São Paulo: Cortez, 2005.
Referencial curricular nacional para a educação infantil / Ministério da
Educação e do Desporto, Secretária de Educação Fundamental. Brasília:
MEC/SEF,1998. Vol.1.
[1] * Graduanda do curso de Pedagogia com Licenciatura Plena em
Magistério com habilitação em Educação Pré-Escolar.
Fonte: Webartigo